Chico Buarque lê João Cabral de Melo Neto

Passeando presente dela pelas ruas de Sevilha, imaginou injetar-se lembranças, como vacina, para quando fosse dali poder voltar a habitá-las, uma e outras, e duplamente, a mulher, ruas e praças. Assim, foi entretecendo entre ela, e Sevilha fios de memória, para tê-las num só e ambíguo tecido; foi-se injetando a presença a seu lado numa casa, seu íntimo numa viela, sua face numa fachada. Mas desconvivendo delas, longe da vila e do corpo, viu que a tela da lembrança se foi puindo pouco a pouco; já não lembrava do que se injetou em tal esquina, que fonte o lembrava dela,que gesto dela, qual rima. A lembrança foi perdendo a trama exata tecida até um sépia diluído de fotografia antiga. Mas o que perdeu de exato de outra forma recupera: que hoje qualquer coisa de uma traz da outra sua atmosfera. João Cabral de Melo Neto