Você é uma vítima da corrupção


Sabe aqueles dias que você percebe que tem alguma coisa errada, mas você não sabe exatamente o que que é? Eu não sou uma pessoa ruim, eu...eu trabalho, eu pago meus impostos, eu pago tudo em dia porque eu detesto ficar devendo. Eu liguei esses dias pro meu pai pra compartilhar isso com ele, o velho falou que, eu sou um revolucionário de sofá, que eu só falo, falou que na época dele era muito mais difícil, que ele brigou e teve que lutar muito pra conquistar essa liberdade que tenho hoje, sabe esse papo? hum, dos anos setenta? E de repente eu entendi, eu sou uma vítima! eu pago pra ter um plano de saúde decente, depois de já ter pago o imposto pra ter um sistema de saúde decente. Meu pai pagou faculdade duas vezes, uma pra faculdade e uma pro governo, sei lá o que me deixa mais triste são só duas pessoas, um é o corrupto, o outro é o corruptor, um é o cara que fode com a minha vida, o outro é o cara que permite que fodam com a minha vida, e na boa eu não fodo com a vida de ninguém.

Capital Inicial (Acústico) - Fogo


(Uuuu...) Você é tão acostumada A sempre ter razão (Huuum...) Você é tão articulada Quando fala não pede atenção O poder de dominar é tentador Eu já não sinto nada Sou todo torpor É tão certo quanto calor do fogo É tão certo quanto calor do fogo Eu já não tenho escolha E participo do seu jogo, participo Não consigo dizer se é bom ou mal Assim como o ar me parece vital Onde quer que eu vá o que quer que eu faça Sem você não tem graça (Uuu...) Você sempre surpreende E eu tento entender (Huum...) Você nunca se arrepende Você gosta e sente até prazer Mas se você me perguntar Eu digo sim, eu continuo Porque a chuva não cai Só sobre mim Vejo os outros, Todos estão tentando E é tão certo quanto calor do fogo Eu já não tenho escolha E participo do seu jogo, participo Não consigo dizer se é bom ou mal Assim como o ar me parece vital Onde quer que eu vá e o que quer que eu faça Sem você não tem graça É tão certo quanto calor do fogo É tão certo quanto calor do fogo Eu já não tenho escolha Eu participo do seu jogo É tão certo quanto calor do fogo É tão certo quanto calor do fogo Eu já não tenho escolha Eu participo do seu jogo, do seu jogo.

Chico Buarque lê João Cabral de Melo Neto

Passeando presente dela pelas ruas de Sevilha, imaginou injetar-se lembranças, como vacina, para quando fosse dali poder voltar a habitá-las, uma e outras, e duplamente, a mulher, ruas e praças. Assim, foi entretecendo entre ela, e Sevilha fios de memória, para tê-las num só e ambíguo tecido; foi-se injetando a presença a seu lado numa casa, seu íntimo numa viela, sua face numa fachada. Mas desconvivendo delas, longe da vila e do corpo, viu que a tela da lembrança se foi puindo pouco a pouco; já não lembrava do que se injetou em tal esquina, que fonte o lembrava dela,que gesto dela, qual rima. A lembrança foi perdendo a trama exata tecida até um sépia diluído de fotografia antiga. Mas o que perdeu de exato de outra forma recupera: que hoje qualquer coisa de uma traz da outra sua atmosfera. João Cabral de Melo Neto